O artigo Extravío y serendipia en los meandros del archivo de En la diestra de Dios Padre*, de Andrés Betancourt Morales, publicado na Revista Brasileira de Estudos da Presença (v. 14, n. 4, 2024), documenta o percurso de uma investigação sobre a peça de Enrique Buenaventura que, diante da escassez de manuscritos e libretos, encontrou nos arquivos sonoros e fotográficos uma nova via de reconstrução histórica e dramatúrgica. A partir de gravações preservadas no Instituto Nacional do Audiovisual (INA), na França, e de fotografias do acervo da Biblioteca Nacional da França, foi possível recuperar dois atos completos e o epílogo da segunda versão da peça, nunca publicada e dada como perdida. A pesquisa revela como o cruzamento entre som e imagem pode não apenas suprir lacunas documentais, mas também iluminar os processos criativos de uma obra essencial do teatro latino-americano, marcada por elementos da mojiganga e por transformações estéticas entre suas diferentes versões. 

O artigo A peça radiofônica alemã e os esforços de João das Neves para a difusão do gênero no Brasil*, de Roberta Carbone, analisa a atuação pouco conhecida do dramaturgo João das Neves na promoção da hörspiel (peça radiofônica alemã) no Brasil durante a década de 1970, em meio ao contexto repressivo da ditadura militar. A partir de sua pesquisa de doutorado, a autora traça um panorama do desenvolvimento do gênero na Alemanha e examina as tentativas de Neves de introduzi-lo no país como alternativa criativa diante da censura, valorizando a palavra como instrumento de análise social. O estudo recupera documentos inéditos, atividades realizadas pelo Grupo Opinião e destaca a importância do gênero no cruzamento entre rádio, teatro e, mais recentemente, podcasts, sugerindo sua relevância para o entendimento do cenário cultural brasileiro contemporâneo. 

O artigo Experiência da Imagem e a Densidade Sonora: efeitos de presença na encenação de Auto da Catingueira*, de Ana Cristina Moreira Pessôa, analisa a ópera de Elomar Figueira Mello a partir de conceitos como presença, oralidade, corpo e voz, propondo uma leitura que destaca a construção dos personagens por meio da interação entre atores, música, linguagem verbal e formas animadas, como marionetes. Com base em teorias de Hans Ulrich Gumbrecht e José Miguel Wisnik, a autora investiga como a encenação articula múltiplas linguagens para representar o “sertão profundo”, revelando memórias, tradições e imaginários culturais. A pesquisa, que teve início com uma pergunta existencial sobre o que é o sertão, percorreu o mestrado, doutorado e pós-doutorado da autora, culminando em uma reflexão sobre como essa representação cênica contribui para repensar a identidade, a memória e o imaginário brasileiros em torno do sertão. 

O artigo Experiência acústica na cenológica devocional*  de Giovanni Cirino investiga a experiência acústica na prática cênica devocional da Congada, com foco nas religiosidades populares do litoral norte de São Paulo e suas conexões com a música de tradição negra. Baseada em uma pesquisa de longa duração (2005-2023) e no documentário Sobre a Congada de Ilhabela (TV USP, 2011), a análise explora as representações simbólicas das batalhas entre mouros e cristãos, destacando o papel dos elementos sonoros, como sinos, rezas e, especialmente, a marimba. Este instrumento, além de estruturar a cena, atua como um elo entre os devotos e o sagrado, reforçando sua centralidade na manifestação do culto aos ancestrais, reis e divindades. 

O artigo Da Pateada: ecos de uma prática extinta, mas ruidosa (Revista Brasileira de Estudos da Presença, vol. 14, no 4, 2024) investiga a pateada como uma manifestação ruidosa do público teatral brasileiro entre os séculos XIX e XX, em que espectadores batiam os pés para interromper o espetáculo. A pesquisa de Luiz Paulo Pimentel de Souza (USP) analisa documentos históricos, críticas teatrais e regulamentações para demonstrar como essa prática foi reprimida por intelectuais, críticos e forças policiais, resultando na disciplinarização do espectador e na normatização da experiência teatral. O estudo destaca que, embora a pateada tenha sido extinta, seus resquícios ainda aparecem em debates sobre comportamento do público nos teatros, sugerindo uma reflexão sobre os limites entre conduta e resistência na apreciação artística. 

O artigo assinado por José Batista (Zebba) Dal Farra Martins examina a sonoridade teatral como um campo dialético entre imersão e estranhamento, analisando os gestos de escuta e suas repercussões na experiência cênica. O estudo dialoga com o pensamento do filósofo Enrico Pitozzi, as vocalidades exploradas por Ermanna Montanari e Maria Alice Vergueiro e as composições cênicas de Luigi Ceccarelli e Heiner Goebbels. Também estabelece conexões com as concepções dramatúrgicas de Oduvaldo Vianna Filho e Bertolt Brecht, refletindo sobre o papel da escuta no teatro contemporâneo. Inspirado na visão de Myrian Muniz sobre a calibragem das distâncias na relação artística, o ensaio propõe que a escuta oscila entre a submersão sensorial e o distanciamento crítico, configurando um território complexo de significação na cena teatral.